Dra. Neliana Buzi Figlie

Para atuação na Entrevista Motivacional se faz fundamental a compreensão dos conceitos que defino como os pilares da ETM :

  • 1-Ambivalência
  • 2-Espirito da Entrevista Motivacional
  • 3-Metodologia: PARR
  • 4-Processos

 

  • 1 -Ambivalência

As pessoas que se encontram em meio a problemas sejam de saúde, profissional, social, de relacionamentos, com a justiça, entre outros,  chegam ao aconselhamento com motivações flutuantes e conflitantes. Ao mesmo tempo querem e não querem mudar. Esse conflito, que pode ser chamado de ambivalência, permeia principalmente as primeiras sessões do tratamento e parece ter um potencial especial para manter as pessoas aprisionadas e criar estresse. A pessoa é, ao mesmo tempo, atraída e repelida por um único objeto. O efeito resultante é uma característica clássica do conflito aproximação-evitação.

A ambivalência é um estado mental no qual a pessoa tem sentimentos coexistentes e conflitantes a respeito de alguma coisa. Uma postura de vulnerabilidade pode transformar-se em desafio e voltar à vulnerabilidade em poucos minutos.

Como esse conflito se desenvolve? Um ingrediente importante é o apego ao comportamento, o que torna mais difícil resistir ou afastar-se dele.

Um profissional que escuta uma manifestação comum de ambivalência do tipo “eu quero, mas não quero” poderia pressupor a existência de algo errado com o julgamento ou com o estado mental do cliente. Sua incerteza na maioria das vezes é vista como anormal, inaceitável ou como sinal de pouca motivação, o que não é a realidade. Em vez de ver a ambivalência como um “mau sinal”, é frutífero entendê-la como normal, aceitável e compreensível.

A EM considera a ambivalência como fonte de informações significativas que podem ser usadas produtivamente na terapia. A ambivalência se bem trabalhada, dá início ao processo de mudança. Desta forma, cabe ao profissional a tarefa de ajudar o cliente a identificar e liberar suas próprias forças motivacionais, afim de que possa ouvir mais a si mesmo. O profissional deve atuar como uma plataforma de petróleo, extraindo o que de mais rico e profundo há no cliente. Para a EM, o estilo do profissional em sua relação com o cliente é fundamental para aumentar a motivação para a mudança.

 

 

  • 2-O Espirito da Entrevista Motivacional

Espirito ETM_ varias

A fim de facilitar ainda mais a compreensão da Entrevista Motivacional , Miller e Rollnick elaboram o “Espírito da EM”, que envolve um estilo colaborativo, evocativo e com respeito à autonomia do cliente, a destacar: Parceria ; Aceitação; Evocação e Compaixão.

  1. Parceria:

 

A EM é feita “com” e não “para” a pessoa. Trata-se de um elemento que reforça a necessidade do terapeuta interagir e se interessar pela história e evolução do cliente e não se ater a uma conduta prescritiva. Nesta perspectiva, a EM convida o profissional a construir em seu trabalho uma postura equilibrada na tensão entre seguir o indivíduo e também, guiá-lo. O profissional e o cliente procuram saídas juntos.

 

  1. Aceitação:

Para a compreensão da EM, a aceitação tem forte influência nas obras de Carl Rogers e propõe que o profissional se interesse e valorize o potencial de cada indivíduo. Aceitar a pessoa não significa necessariamente que o profissional aprova ou endossa o status quo ou as ações do cliente, ou seja, se o profissional aprova ou reprova é irrelevante. A aceitação consiste no reconhecimento do valor absoluto que o cliente dá aos seus argumentos e razões, na empatia acurada, no suporte à autonomia do cliente e no reforçamento positivo de falas, e posturas em prol da saúde e integridade de vida do cliente.

Não cabe ao profissional o julgamento, tampouco a imposição ou influência de suas próprias ideias. O julgamento, bem como outras abordagens, faz com que o profissional não escute o cliente e sim, a si mesmo (aos seus próprios valores, percepções do que seja certo ou errado, melhor ou pior para o outro, suposições e/ou interpretações). Este processo faz com que o profissional atue com uma intervenção prescritiva. A proposta da EM é que, no final das contas, o cliente escute a si mesmo e se dê conta de suas motivações e ambivalências, assumindo uma decisão perante seu comportamento de risco.

Para que o processo de aceitação se fortaleça, os autores sugerem ainda a necessidade de fortalecer o apoio à autonomia, na medida em que o profissional respeita a autonomia do cliente e reconhece sua capacidade de direcionar a própria vida. Para alguns profissionais este movimento pode ser difícil de ser feito, quando o cliente pode fazer escolhas e tomar atitudes que, na visão do profissional, não corresponderia ao que haveria de melhor para o seu cliente. Mesmo motivado por boas intenções, agindo desta forma o profissional corre o risco de induzir, coagir ou controlar o cliente, desconstruindo assim, o processo de aceitação.

Finalmente, para a EM a aceitação se completa quando há o movimento de afirmação pelo profissional, quando este busca reconhecer os pontos fortes da pessoa e reforçá-los de forma positiva.

  1. Evocação:

 

Evocar as forças que motivam a pessoa, ao invés de persuadir. Evocar quer dizer lembrar, recordar. Motivação vem de motivo, que quer dizer aquilo que pode fazer mover, motor que causa ou determina alguma coisa. A motivação é um recurso interno. A evocação traz a proposta de ajudar o cliente a se recordar de elementos próprios e únicos que podem se tornar motivos para que haja uma mudança de comportamento.

A mensagem implícita é “Você tem o que você precisa para a mudança e juntos, iremos encontrá-la”. Dentro dessa perspectiva é particularmente importante focar na compreensão das forças da pessoa e em seus recursos invés de focar em seus déficits.

 

  1. Compaixão:

A compaixão pode ser compreendida como um meio de tentar fazer o profissional se aproximar mais verdadeiramente da pessoa e não do problema dela. Uma vez que o profissional consegue ter acesso à unicidade de cada um, torna-se possível uma melhor compreensão das complexidades individuais que dificultam as mudanças de comportamento. É um ato de aproximar-se para verdadeiramente ajudar. Os autores reforçam o convite para “colocar a mão na massa” JUNTO com a pessoa e não PELA pessoa. Por isso eles também propõem a parceria.

 

 

  • Metodologia

Embora a reflexão seja a estratégia-chave na EM, é importante salientar que a metodologia não consiste apenas no uso de reflexões. A metodologia consiste na utilização de reflexões, reforços positivos, resumos e perguntas abertas em uma relação de no mínimo 2:1, ou seja, a utilização de cada duas estratégias para cada pergunta, com preferência das reflexões. Nesta relação, para cada vez que o profissional escolher fazer uma pergunta aberta, as outras duas estratégias deverão ser, preferencialmente, qualquer das outras disponíveis. Neste contexto, as perguntas são utilizadas em menor proporção porque espera-se que todas as estratégias possam gerar mais reflexão no cliente. A própria reflexão do cliente possibilita que ele fale mais do que o profissional e tenha uma oportunidade de ouvir a si mesmo – muito mais do que ao profissional – de descobrir coisas por si mesmo e, ao final, perceber que é capaz de discernir, fazer escolhas, tomar decisões e agir. Mesmo com estas possibilidades de estratégias a serem utilizadas por parte do profissional, o protagonismo deve ser sempre do próprio cliente.

Veja a seguir o acrônimo de PARR (em inglês OARS):

 
P: perguntas abertas.

A: afirmar – reforço positivo.

R: refletir.

R: resumo.

 

 

  • Os Processos da Entrevista Motivacional

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Em suas duas primeiras edições, os autores descreveram que a EM poderia ser dividida em duas fazes. A Fase 1, consistiu na construção da motivação para a mudança, partindo da construção que o cliente se dá para a realização da mudança em questão. Já a Fase 2, envolveria o fortalecimento do compromisso com a mudança, e o desenvolvimento de um plano de ação para a realização desta mudança. Após propostas estas fases, contudo, os autores reconheceram sua validade enquanto orientação, mas também reconheceram-na incompleta, porque no manejo clínico perceberam que este processo não acontecia de forma linear e sim, circular. Desta forma, a perspectiva linear em forma de fases, cedeu lugar à real perspectiva construída a partir de processos. A partir deste enfoque, a EM atualmente é então descrita na confluência de quatro processos que são: Engajamento , Foco, Evocação e Planejamento .

 

  1. Engajamento

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O engajamento consiste na construção de uma aliança terapêutica. Quando o profissional consegue estabelecer uma boa aliança terapêutica com o cliente, há mais engajamento no tratamento, possibilitando que haja uma maior adesão ao mesmo. Aqui, o engajamento é definido como um processo de construção em uma relação de ajuda, que busca uma solução para o problema apontado. Esta relação é pautada no respeito e na confiança mútuos. O cliente engajado não é passivo ao seu próprio processo de mudança. Alguns fatores podem influenciar no engajamento, tais como: identificar os desejos e objetivos do cliente; avaliar junto com o cliente o grau de importância dado aos seus objetivos; acolher o cliente de forma positiva, possibilitando que o mesmo se sinta valorizado e respeitado; trabalhar suas expectativas; oferecer esperança.

  1. Foco

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A construção do foco está no desenvolvimento e manutenção da direção específica da conversa para a mudança. O cliente durante o atendimento pode estar muitas vezes envolto em uma série de acontecimentos e sua tendência pode ser a de se concentrar nos sintomas ou nos fatos mais recentes que o levaram até ali, subvalorizando ou até mesmo desconhecendo o fator “causa”. Cabe ao profissional se preocupar em manter o foco durante o atendimento, para que a conversa não se perca no meio do caminho. Manter o foco na conversa ajuda na elaboração e no resgate do sentido, bem como possibilita a construção de uma direção para a mudança.

  1. Evocação

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Evocar consiste no movimento do profissional de extrair da pessoa os próprios sentimentos concernentes ao propósito de mudança. Esta é a essência da EM. Todas as conclusões ou caminhos a serem percorridos, devem ser uma conclusão que o cliente alcança sozinho, com o auxílio do profissional e não com a sua indução. A resposta para as questões deve ao final, sair da boca do cliente, como se fosse realmente uma grande descoberta! Uma perspectiva de um profissional especialista ou perito, recomendaria que este deveria identificar um problema, avaliar o que poderia estar sendo feito de errado e orientar o que deve ser feito para reparar ou consertar o que está errado. Esta visão é oposta à perspectiva da evocação. Aqui, cabe ao profissional aproveitar as próprias ideias do cliente para que este descubra como e por que pretende agir de determinada forma e seja verdadeiramente ativo em seu próprio processo. Vale ressaltar que o modelo do especialista ou perito é indicado em muitos manejos clínicos como, por exemplo, na realização de uma cirurgia. Porém, os autores salientam que, para a EM, este manejo é contra-indicado em processos de transformação pessoal.

  1. Planejamento

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O planejamento está na construção do movimento de “quando” e “como” mudar. Tomando-se como base os estágios de prontidão para a mudança, há um momento em que o cliente diminui os seus questionamentos e começa a se preparar para uma tomada de atitude. Neste momento, o planejamento é fundamental, uma vez que desenvolve a formulação de um plano de ação específico, podendo encorajar o cliente a aumentar seu compromisso com a mudança. A construção do planejamento não deve ser prescrito e sim, evocado do cliente; da mesma forma, não deve ser pontual e deve ser sempre revisto. Quando há ensaios rumo ao movimento para a mudança, o planejamento torna o cliente mais seguro, uma vez que promove sentimentos de auto-eficácia pautados na sua autonomia e nas suas tomadas de decisões.