Dra. Neliana Buzi Figlie

A aplicação da entrevista motivacional com clientes suicidas é funcionalmente integrada com a avaliação da crise, que  permite a avaliação para inclusão da terapia breve. Essa abordagem integrada também constitui uma introdução ao tratamento subsequente, no qual cada cliente suicida deve ser eficazmente envolvido. Na prática, existe uma ampla capacidade e compatibilidade para a integração da entrevista motivacional com modificações, no gerenciamento da crise em clientes suicidas.
Os objetivos da entrevista motivacional neste contexto são minimizar a coerção, promover a autonomia e a autoeficácia. O objetivo mensurável da intervenção é promover a mudança, especificamente de um estado de ambivalência ou incerteza para um estado de razoável disposição para manter o plano de segurança do cliente. O resultado mensurável em curto prazo é o cliente não tomar nenhuma atitude em que possa se machucar ou machucar os outros. Outros resultados mensuráveis imediatos incluem a cooperação do cliente para facilitar a entrevista, cooperação com os pro- cedimentos médicos, adesão à medicação, otimização da participação do cliente e sua concordância com o planejamento do tratamento imediato e em longo prazo, conexão do cliente com o tratamento futuro no ambiente menos restritivo possível, bem como assegurar o consentimento e a adesão do cliente a intervenções planejadas para o cuidado continuo como parte do seu plano de segurança.
 
Há duas modificações importantes relacionadas a entrevista motivacional nessa aplicação. A primeira é que, sejam quais forem as prioridades do cliente, a consulta deve necessariamente abordar todas as áreas-chave do risco e da avaliação da segurança; por conseguinte, o profissional fará muitas perguntas diretas, conduzirá o diálogo e ocupará mais tempo de conversa do que alguém faria em uma sessão de entrevista motivacional. A segunda é que o foco seletivo e a disposição final da sessão podem ser inevitavelmente coercitivos, ao fazer com que o profissional proteja a segurança do cliente e da comunidade conforme a lei e a ética. Assim como em outras aplicações da entrevista motivacional, quanto menos coercitivas forem as circunstâncias, menos provável será a “resistência”. Não é incomum, na avaliação da crise encontrar clientes suicidas decididamente não cooperativos com seu tratamento ou inteiramente passivos ou apáticos. Dadas essas circunstâncias, há uma necessidade correspondente de evidenciar a adesão consistente à essência da entrevista motivacional, ou seja, expressar e demonstrar empatia genuína, escutar e prestar atenção ao que é dito e não dito, ser autêntico e sincero de maneira gentil e não confrontadora, e discernir, respeitar, refletir, afirmar e apoiar toda e qualquer energia positiva. Independentemente de quão “cooperativo” o cliente pareça ser, pode haver grande divergência entre a agenda do cliente e as necessidades de assegurar a segurança e tratamentos futuros.
 
Esse processo integrado pode ser resumido pela inclusão de cada um dos seguintes elementos em uma mistura dinâmica que muda a ênfase na resposta para a revelação do cliente:
 
Promover a autonomia eficaz (Colaboração – parceria).
Promover o vínculo eficaz (Empatia – postura de não julgamento).
Examinar a ambivalência (Evocação – explorar a discrepância).
Apoiar a autoeficácia (Refletir a conversa de mudança).
 
Merece destacar a importância da cortesia da sensibilidade e de pedir permissão em todos os momentos da sessão com suicidas. Enfatizar especialmente a escuta reflexiva e a expressão genuína de empatia, pois isso facilita o relacionamento com os clientes. Muitos dos que possuem longos históricos de maus resultados ou cometeram suicídio em outras ocasiões, sofreram muita orientação e cuidados coercitivos e, talvez nem de longe um relacionamento satisfatório. Com uma estrutura planejada de avaliação da crise, proporcionar ao cliente responder em seu próprio ritmo ou orientação para que, juntos, profissional e cliente, possam construir uma confiança mútua e manter algum senso de autocontrole.
Com maior facilidade na comunicação, é possível evocar e reconhecer os elementos fundamentais de ambivalência, tomando cuidado para evitar suposições baseadas em casos ou circunstâncias anteriores. Assim como em outras aplicações da entrevista motivacional, a ambivalência pode ser expressa como uma escolha comportamental, que normalmente determinará o tratamento futuro.
 
Assim como em outras aplicações da entrevista motivacional, a balança decisória representa parte importante da exploração e resolução da ambivalência. Não há questão mais autêntica, em termos existenciais, que a questão da vida em si como uma escolha. Em muitos casos, essa exploração promove uma noção de que os clientes, na verdade, não querem morrer, mas que estão tão esgotados emocionalmente e tão deficientes quanto à autoeficácia que sentem não ter outras opções. Clientes suicidas podem estar em um estado de prontidão para lidar com as escolhas sobre os próximos passos de seu tratamento e estar em um estado de prontidão completamente diferente para lidar com escolhas existenciais sobre viver ou morrer. É importante entender que o consentimento do cliente para um “plano de segurança” ou para cuidados futuros não necessariamente indica uma resolução robusta ou estável da expressão da ambivalência do cliente quanto a viver ou morrer. Pode haver casos nos quais a expressão do cliente sobre as coisas boas de estar morto é tão poderosa que podem não existir opções melhores que procurar o nível mais alto de tratamento, como por exemplo internação. A profunda ambivalência relacionada a quanto alguém quer viver ou morrer pode tomar muito mais tempo para se resolver em uma terapia e/ou auto exploração. Contudo, uma intervenção breve com a entrevista motivacional nos estágios agudos da crise, parece ajudar os clientes a lutar com sua depressão crônica e seus estressores e com isso, aumentar a sua própria capacidade de derramar outra lágrima, dor ou outro passo, sem se engajar na autoagressão.
 
 
Referência:
Entrevista Motivacional no Tratamento de Problemas Psicológicos. Hal Arkowitz; Henny A. Westra; William  Miller; Stephen Rollnick. São Paulo: Roca, 2011.

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