Dra. Neliana Buzi Figlie

Você já se apaixonou por alguém, teve uma relação romântica, dessas de novela com muita paixão, alegrias, momentos de felicidade e somente tempos depois se deu conta de que este relacionamento não lhe fazia bem? Então, certamente você sabe como é difícil sair deste tipo de situação. Por vários motivos, quando estamos envolvidos emocionalmente, criamos desculpas:  porque no começo era muito bom; porque pode ser só uma fase; porque, talvez, essa pessoa não lhe faça sofrer de propósito; talvez você tenha alguma responsabilidade pelas coisas não estarem indo bem; ou porque ainda existe a esperança de que tudo possa mudar e que vocês tenham um futuro melhor e voltem a ser felizes (e quem sabe agora para sempre). Os relacionamentos abusivos são baseados no desejo de controle de um dos parceiros. Controlar como o outro se veste, o que faz, com quem se relaciona. Apesar da violência não ser o principal elemento dos relacionamentos abusivos, ela pode estar presente de várias formas: verbalmente, fisicamente, emocionalmente, psicologicamente, sexualmente, financeiramente e até mesmo tecnologicamente. Neste caso, a violência é uma estratégia de tentar manter o controle sobre o outro.

Numa grande maioria das vezes, as primeiras experiências com substâncias psicoativas está envolta em situações felizes e prazerosas. Experimentações com amigos, em festas ou em momentos de muita alegria. Neste início, não há problemas, só o encantamento daquela situação. Mas você pode colocar: “Mas quem usa droga já sabe que está entrando num barco furado, no namoro não”. Ah!!! Isso também pode acontecer em algumas paixões. Então, pense que talvez esse momento inicial seja parecido com o de uma paixão proibida.

Com a instalação da dependência, vamos percebendo que esse convívio não é tão saudável assim. Enfatizo que nem todos se tornarão dependentes de substâncias, mas aqueles com maior predisposição serão as pessoas que perceberão de forma mais impactante os prejuízos dessa relação. Pense na droga como uma pessoa possessiva, que gosta de controlar quem ela namora. Ela é egoísta, quer a pessoa do lado dela o tempo todo, quer tudo ao mesmo tempo. Com a convivência frequente, o indivíduo vai abrindo mão de coisas que antes eram importantes para ele no seu dia a dia. Já que se trata de uma paixão proibida, o indivíduo: esconde dos familiares, mente se questionado sobre a droga, diminui os encontros com os amigos (com aqueles que são contra esse “namoro”), acaba preferindo sair com pessoas que aceitam melhor o seu “relacionamento”, deixa de fazer algumas coisas que antes eram prazerosas para, em troca, permanecer com a droga. É neste momento que a relação com as drogas vai tomando contornos dignos de um relacionamento abusivo. Origina-se de um ambiente de tensão em que o indivíduo vai perdendo a sua identidade para manter o consumo da substância.

A segunda fase dessa relação abusiva ocorre quando a tentativa de se distanciar da droga gera mal-estar. É a fase da “briga” na relação. O usuário, talvez, por perceber que familiares ou amigos o estão criticando ou por se dar conta de que realmente esta relação tem gerado mudanças intensas, tenta algum tipo de distanciamento. A falta da droga (e de tudo aquilo que envolvia o seu consumo) gera, então, uma série de desconfortos, os quais podem ser: Físicos  e Psicológicos

Daí vem a terceira fase dos relacionamentos abusivos. Depois das brigas, uma nova lua de mel. Quando novas promessas de mudança surgem após um período em que ficaram brigados ou distantes. A saudade bate e as coisas ruins que aconteceram parecem que foram superadas.

As drogas sempre serão “pessoas abusadoras”. Elas não conseguem manter a promessa da felicidade por muito tempo.

O indivíduo vai novamente renunciando a si para manter-se mais tempo junto à droga. O tempo para obter, consumir ou se recuperar do uso rouba muito das suas 24 horas e todo o processo se reinicia. Portanto, a experimentação de substâncias pode até ser um ato de escolha, usar com uma certa frequência também, mas adoecer por causa disso não parece ser uma escolha. Ninguém escolhe ficar doente, assim como não escolhemos por quem nos apaixonamos. E, sim, TUS é uma doença, um transtorno mental que tem características próprias e, portanto, como qualquer outra doença necessita de tratamento específico.

Referência:

Cordeiro, D. Transtorno por uso de substâncias é uma escolha? In: Figlie, NB; Neide A. Zanelatto. Os limites do Amor: Quando você ama alguém que tem problemas com álcool e drogas (2023) 1ª edição. Belo Horizonte: Ed. Artesã. ISBN 978-85-7074-096-0.

CONVITE:

Se você gostou deste conteúdo junte-se a nós no lançamento em São Paulo do livro Os limites do Amor, no dia 04 de maio de 2024, das 15h as 18 horas, na Livraria Martins Fontes. Será uma satisfação receber todos vocês, profissionais da área,  nossos pacientes e seus familiares, e todos aqueles que se interessam por este tema, para uma tarde de autógrafos e um bate papo descontraído com as autoras e os colaboradores desta obra.

“Os limites do amor” um livro destinado a familiares que convivem com alguém que faz uso de álcool ou outras substâncias.  Durante  algum tempo, as autoras pensaram em como seria possível colocar num livro, a experiência do consultório no atendimento às famílias que sofrem com o problema do transtorno por uso de substâncias. E assim, nasceu “Os limites do Amor” com a colaboração de outros autores importantes na área, aumentamos a abrangência dos assuntos. Além disso, pessoas como vocês, dividiram suas experiências pessoais, nos contando como lidaram com o problema do uso de substâncias em suas famílias.

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