Dra. Neliana Buzi Figlie

Voltando à metáfora da ambivalência como um Tribunal Interno de Justiça, quem são seus membros? Se parte de você quer algo e a outra parte não, quais são essas partes?

Com base em toda uma vida de pesquisa, Milton Rokeach propôs um modelo da natureza humana que Miller considera especialmente útil para entender a ambivalência e a mudança. Para ele, a personalidade era organizada em uma série de níveis que podem ser imaginados como anéis concêntricos.

O círculo externo, mais efêmero, consiste em suas experiências imediatas, como pensamentossentimentos e ações. Por trás dessas experiências imediatas, estão inúmeras crenças específicas que são adquiridas e continuam a mudar com a vivência. As crenças, por sua vez, influenciam e são organizadas em milhares de atitudes mais amplas, que são um pouco mais estáveis, mas também mudam ao longo do tempo com a mudança das vivências e das crenças. Subjacentes a estas atitudes, e mais centrais à identidade, estão seus valores, dos quais Rokeach reconheceu dois tipos:

– Primeiro, você tem algumas dezenas do que ele chamou de valores instrumentais, que são essencialmente formas de viver  no mundo, hábitos organizados da mente e do coração, como realizar, colaborar, competir, obedecer e perdoar. Estes são objetivos sobre o  fazer – ação.

– Abaixo deles existe aproximadamente uma dúzia de valores fundamentais,os fins ou os objetivos que você mais valoriza e persegue. Estes são os objetivos de ser: menos sobre o que você quer fazer, mais sobre quem você quer ser. Idealmente, seus objetivos de fazer servem aos seus objetivos de ser.

Por fim, o círculo mais profundo ou central é o seu senso de identidade mais estável, quem você é ao longo dos anos. Este é o observador “eu” em declarações como “estou infeliz comigo mesmo” ou “eu entendo você”. Há uma sensação de que o mesmo “eu” esteve lá como testemunha durante toda a sua vida, embora cada célula do seu corpo tenha sido substituída desde que você era criança.

Qualquer um desses elementos pode colidir entre si. No nível mais periférico, você pode fazer ou dizer uma coisa, enquanto pensa ou sente de forma diferente. Pensamentos e sentimentos podem entrar em conflito. Você pode sentir seu estômago roncando, mas pensa: “Não quero comer agora”. As atitudes podem entrar em conflito umas com as outras ou com crenças ou valores mais profundos. Como regra geral, é especialmente perturbador quando um aspecto externo, como um comportamento, entra em conflito com um componente mais profundo, como um valor central, e é mais provável que este último prevaleça.

Tornar-se consciente de tais contradições pode levar a uma reavaliação desconcertante de si mesmo. As atitudes, em particular, podem mudar em resposta a tais contradições ou ao se envolver em um comportamento que se choca com as crenças atuais.

Referência:

Miller, W. Pensando melhor… Como a ambivalência molda sua vida. Porto Alegre: Artmed, 2024.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

dezenove + 3 =

WhatsApp