A confusão de conceitos sobre Entrevista Motivacional
A primeira descrição de EM data de 1983. Tal fato confere a essa abordagem sua modernidade e, por isso, surgem confusões de conceitos com outras abordagens e ideias. Em uma recente publicação, Miller e Rollnick, listaram dez coisas que a EM não é, como uma forma de esclarecer sua conceituação e definição:
1.Entrevista Motivacional não é baseada no Modelo Transteórico: entrevista motivacional e o modelo transteórico (TTM, transtheoretical model) nasceram juntos no início dos anos de 1980. O TTM e os estágios de mudança revolucionaram o tratamento da dependência química fornecendo subsídios práticos para que os profissionais facilitassem o processo de mudança do comportamento aditivo em seus clientes. Nesse sentido, os estágios de mudança oferecem aos profissionais um caminho lógico e estruturado de como os profissionais na prática clínica da EM podem facilitar o processo de mudança. Mas a EM não é baseada no TTM. A EM não procura explicar como se dá a mudança do comportamento. O TTM fornece um modelo conceitual da maneira como a mudança ocorre e a EM é um método de comunicação entre profissional e cliente utilizado para aumentar a motivação para a mudança.
2.Entrevista Motivacional não é um meio de enganar o cliente para fazer o que ele não quer fazer: EM não é um método sugestivo. A EM assume a autonomia pessoal do cliente. A mudança do comportamento em questão é de total interesse do cliente e não do profissional, do serviço, ou da organização. Os autores citam que a preposição apropriada para EM é “para” ou “com” alguém.
3.Entrevista Motivacional não é uma técnica: o termo técnica sugere uma operação simples, um procedimento particular. A EM pode ser mais bem compreendida como um método de comunicação, uma habilidade complexa que pode ser adquirida com considerável prática, que funciona como um guia para aumentar a motivação interna de mudança.
4.Entrevista Motivacional não é balança decisória: a balança decisória é uma técnica que frequentemente é confundida com EM. Essa abordagem pode ser apropriada para o profissional que deseja a realização de uma mudança específica por meio da resolução da ambivalência, sendo indicada em estágios iniciais de mudança de comportamento. No entanto, é necessário cautela por ser a balança decisória uma técnica que pode ser rotineiramente utilizada contra os princípios e objetivos da EM ao não respeitar a autonomia do cliente.
5.Entrevista Motivacional não requer avaliações/feedback: feedback de avaliações estruturadas pode ser extremamente útil com pessoas que evidenciam baixa motivação para a mudança. O feedback pode fornecer tópicos para uma discussão em EM evidenciando potenciais razões para a mudança que não estavam evidentes antes da avaliação. Nesse contexto, o feedback de uma avaliação não é um elemento essencial da EM, mas pode constituir a EM.
6.Entrevista Motivacional não é terapia cognitivo-comportamental: EM não envolve o ensino de novas habilidades de enfrentamento, reeducação, recondicionamento, mudança de ambiente, ou modificação de crenças disfuncionais. Acaba sendo uma maneira de dizer: “você tem o que eu preciso e juntos vamos encontrar as respostas necessárias”. Existe uma base emocional na EM, com sua estrutura conceitual que a torna fundamentalmente humanista e não comportamental.
7.Entrevista Motivacional não é apenas o aconselhamento centrado no cliente: há quem diga que EM é uma reencarnação do aconselhamento rogeriano com outro nome. O espírito da EM vale-se desse referencial. No entanto, representa uma evolução do aconselhamento centrado no cliente proposto por Rogers. EM é orientada em metas para a realização da tomada de uma decisão. Na EM, o profissional ouve estrategicamente com o objetivo de eliciar no cliente uma resposta por meio de um discurso denominado change talk. O profissional tenta fortalecer a motivação para a mudança de comportamento ao diminuir as defesas e resistências do status quo do cliente. É esperado que o cliente fale muito mais, oferecendo com isso material para o profissional refletir, perguntar quando necessário e incluir resumos, com foco particular na expressão de sentimentos no momento presente de vida.
8.Entrevista Motivacional não é fácil: é necessária uma acurada empatia, bem como uma ampla aplicabilidade da metodologia da EM. Os autores colocam que aprender EM é como aprender um esporte complexo ou tocar um instrumento musical. Para aprender EM é necessário consciência e disciplina na utilização da comunicação específica de seus princípios e estratégias com vistas a evocar a motivação para a modificação do comportamento. Talvez haja a percepção equivocada por parte de alguns profissionais de que a EM é fácil, porque são utilizadas muitas vezes estratégias simples. A não-experienciação de um plano de tratamento rebuscado, com uma hipótese diagnóstica com raciocínio analítico, pode passar para o profissional a impressão de que as intervenções estão insuficientes, causando a impressão de que “está faltando alguma coisa”. O empoderamento endereçado ao cliente e ao não profissional é o diferencial no desfecho, principalmente quando abordamos pessoas resistentes a mudança.
9.Entrevista Motivacional não é o que você já estava fazendo: a EM é descrita pelos autores como uma forma de guiar a pessoa na resolução de um problema. Essa forma de guiar envolve uma mistura flexível de informação, questionamento e escuta. EM se assemelha a uma aproximação familiar de ajuda, mas de maneira refinada, por meio de uma escuta reflexiva confiável.
10.Entrevista Motivacional não é uma panaceia: EM nunca quis ser uma escola de psicoterapia ou uma abordagem de tratamento. Trata-se de uma ferramenta para a resolução de um problema específico quando uma pessoa precisa mudar um comportamento ou estilo de vida e encontra-se relutante ou ambivalente ao fazê-lo. EM é uma intervenção breve que almeja a resolução da ambivalência e, neste sentido, clientes que estão em ação não apresentam resultados significativos com esse referencial. No entanto, embora seja uma intervenção breve, acertar a dose é fundamental no sentido de ser suficiente para catalisar a modificação do comportamento. Os autores exemplificam com tocar piano: você consegue tocar piano em 5min, no entanto, para um concerto de piano são esperadas de 2 a 3h de apresentação. Nesse sentido, EM tem uma dose mínima para efetivar a mudança de comportamento e, atingida esta meta, não existe mais uma finalidade tão clara dela no processo de mudança.
Referencia: Miller, W.; Rollnick, S. Ten things that motivational interviewing is not. Behav. Cog. Psych., v. 37, p. 129-140, 2009.