Dra. Neliana Buzi Figlie

Profissionais que trabalham com o abuso de substâncias se deparam diariamente com clientes que são confrontados com problemas robustos e tangíveis. A compreensão destes problemas é conferida legitimidade epistemológica e ontológica pelas psicociências. Como resultado, a prática nos campos de tratamento e dependência de abuso de substâncias raramente está sujeita ao escrutínio fornecido pela análise pós-estrutural. Além disso, as disciplinas de tratamento de dependência e sociologia raramente colaboram de maneira significativa por inúmeras razões. Para o clínico, capturado entre os discursos psicológicos, sociológicos e biológicos, existe uma tendência a optar pelas capacidades percebidas de resolução de problemas nos discursos psicológicos. No entanto, em um hemisfério pós-etiológico, a atenção está cada vez mais fixada no imperativo fiscal. As relações médico-paciente foram reconfiguradas na sociedade neoliberal. Neste estudo, os materiais utilizados para treinar estudantes de graduação em Habilidades de Entrevista Motivacional em um programa de graduação em Álcool e Drogas foram submetidos a uma análise textual empregando o conceito de governabilidade foucaultiana. O modelo descritivo etiológico familiar utilizado no campo foi transposto para o termo discurso foucaultiano.

A intenção era interrogar os efeitos da entrevista motivacional no cliente e no clínico e o reposicionamento resultante. Verificou-se que a abordagem da Entrevista Motivacional reposiciona o cliente como um sujeito autônomo ativo, enquanto o profissional é espiritualmente impregnado na fabricação de uma subjetividade neoliberal dentro do cliente. Argumenta-se que a interação cliente /profissional constituída deve menos às considerações clínicas, do que às agendas neoliberais contemporâneas. Os proponentes da prática citam facetas progressivas e esclarecidas da Entrevista Motivacional por meio de um endividamento acrítico à resiliência ascendente e discursos baseados em força. Alternativamente, a EM pode ser entendida como uma estratégia individualizante que desloca os clientes de suas comunidades de entendimento, posteriormente posicionadas como primitivas ou com déficit. No motivo resultante, a interação cliente / profissional é reconfigurada para que o cliente ativo e racional, autonomizado, seja produzido pelo profissional recém-envolvido. Assim, a Entrevista Motivacional é ao mesmo tempo um aparato político  e apolítico, o que requer mais pesquisas.

Referência:

Carton, T. (2014). The spirit of motivational interviewing as an apparatus of governmentality. An analysis of reading materials used in the training of substance abuse clinicians. Sociology Mind, 4, 192-205.